Discute-se muito se morar afastado do centro urbano é uma proposta natural. Se ela seria fruto de uma negação e fuga dos problemas mal resolvidos da urbanidade ou se ela seria uma busca natural do ser humano, hoje com as questões de comunicação e autossuficiência solucionadas. Pode-se viver bem, muito bem, afastado fisicamente da cidade. E optar em ir nela ocasionalmente para suprir de mantimentos e buscar o convívio social mais ampliado. Pode quem não tem filhos em idade escolar, quem não tem a agenda cheia de compromissos.
Cabanas para todos os gostos, de rústicas a modernas e sofisticadas com design contemporâneo. Em comum a lógica ambiental de preservar o ambiente, buscar menor dependência do sistema, serem pequenas e sustentáveis na sua construção e levar uma vida mais simples.
Compromissos, tempo, prioridades, qualidade de vida, estas as questões que durante esta quarentena estamos podendo pesar e avaliar sua importância.
Convívio, está claro que é vital, que é tão saudável e necessário quanto alimentação, moradia e renda, ou trabalho.
Aqui em Garopaba sempre tivemos um mercado de vida remota, em contato com a natureza, expressivo e de certa forma até determinante na formação do imaginário de morar nesta região. Fulano mora no mato, no morro, num dômus geodésico,... não mora, se esconde... Tinha e tem, são seres que realmente comungam com a natureza, com o natural. Ao menos por um bom tempo, até serem colocados a prova, tipo relacionamento, grana e pressão do mundo exterior consumista. Muitos não resistiram, arrepiaram.
Esta opção, legal pacas bicho, funcionou e funciona para pessoas que vivem simples. Parênteses, temos que contemplar o planejamento urbano de forma que este estilo de vida persista, siga viável.
Voltando ao enredo, a impressão ou quase certeza que tenho, é que temos dois tipos predominantes ocupando o território. Um colonizador, que espicha a cidade e invade a natureza e a domestica com o seu senso estético e necessidades aparentes, muitas não fundamentais. O outro tipo, os gauleses, irredutíveis nas suas diferentes Gálias.
Viver em contato íntimo com a natureza, uma tendência. Fundador da Vimeo, Zach Klein, investiu numa área perto de NY e se propôs a desenvolver um projeto de vida alternativo: construir e morar em cabanas. Tinyhouses, cabanas, offthegrid, termos que estão na moda. Vida simples, autossuficiencia, design, faça você mesmo, preservação ambiental e energética, modismo ou tendência?
Como sempre, exagero. Sou obrigado a pintar de forma caricatural, de descrever de forma circense, de provocar uma reação qualquer no leitor, que não seja a indiferença. É claro que temos todo um mosaico de tipos humanos, um gradiente entre um extremo e o outro. E que várias características podem ser comuns em ambos os extremos. Ou seja, o assunto é complexo, não tem santo nem demônio, não tem mocinho nem bandido.
Planejamento urbano e zoneamento sendo gestado, tendências de novos estilos de vida se apresentando, portanto um novo cenário e um novo desenho precisa ser pensado.
A cidade tem que parar, precisamos de meio ambiente, tem mercado para morar nesta faixa rururbana. Então paremos de pensar cartesianamente em estender os parâmetros urbanísticos centrais ao perímetro ainda virgem. Ruas e lotes com lógica urbana subindo o morro. Errado! A mata tem que preponderar, onde o druida vai encontrar o visgo para a poção mágica e combater os romanos? Quem não leu Asterix, dane-se, leia. E as moradas agrupadas, tipo aldeias, vilas, clusters. Serão menos ruas, menos postes de luz, menos dano ao ambiente. Mais convívio, mais interação.
"Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália está ocupada pelos romanos… Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses resiste ainda e sempre ao invasor. ,
Assim começava cada episódio.
Olho os morros de Garopaba como a Gália, vários núcleos de pequenas casas encaixadas no meio da encosta verdejante e preservada.
Esta lógica milenar saudável de ocupação hoje não é permitida.
Um nicho de mercado neste tempos de home-office, nomadismo, tudo-a-distância, tecnologias off the grid abundantes e barateando, embocou a bola. É só encaçapar, futuros legisladores e executivos.
Outro ponto nesta nova tendência é a questão resiliência, uma diminuição no grau de dependência da infraestrutura urbana. São moradas que consomem menos serviços públicos, como água, esgoto, luz e lixo. Produzem parte do seu alimento, preservam a paisagem, prestam um serviço ambiental enorme, nem deveriam pagar IPTU.
Podem espernear, concessionários de serviços públicos, que acham que a teta é vitalícia e gestores públicos que acham que cada endereço é um pagante, uma presa desprotegida.
Serão outros tempos, outros estilos de vida, precisamos redesenhar a zona onde a cidade está se expandindo. Esta quarentena, esta crise, está oportunizando a nós, moradores de Garopaba, o tempo para termos a dimensão das nossas necessidades e da nossa felicidade.
Texto Kiko Simch - Engenheiro Agronomo Paisagista @kikosimch
Fotos - Divulgação