Ruas largas com postes e luzes exageradamente altas agridem e ofuscam, prejudicando a percepção do conjunto.
A natureza tem uma capacidade gigante de se regenerar, de se depurar, de se recompor. O detalhe é o tempo.
O tempo em que acontecem os fenômenos que a degradam versus o tempo que ela precisa para processar os danos, e este balanço retrata nossa empresa, a viabilidade de nossa ocupação no espaço e no tempo.
Esta equação pode ser positivamente alterada se entre nossas ações estiverem obras que restaurem ou recuperem o meio ambiente.
Virá o dia em que será auditada cada geração, o balanço energético e ambiental de cada período. Saberão o que nós, deste final de século XX e início do XXI, fizemos pelo planeta.
Aquela turminha detonou com as reservas, tal como famílias citam o vovô que perdeu tudo no jogo ou com nas farras, os nossos herdeiros nos citarão como perdulários e inconsequentes. Neste caso do ambiente é pior porque não somos donos deste patrimônio. Apostamos o recurso deles.
Prédios geminados e volumosos nas cumeeiras dos morros são um equívoco que precisamos discutir.
Nos entregaram um caixa ambiental ok e vamos entregar rapado, negativado. A pressão de degradação ambiental terrestre nos tempos em que Garopaba era uma economia agrícola foi significativa. Com a luz elétrica e a chegada de forasteiros que compravam áreas e criaram um mercado de trabalho, esta pressão diminuiu.
Campos que eram cultivados e queimados deram lugar a capoeiras e uma comunidade vegetal ia se regenerando e uma mata se formando. Em 40 anos,“tudo” virou mato, dizem os que se gabam deste resultado ocasional, aconteceu, não foi projetado.
Quando “tudo” era campo e roça e a paisagem era só fumaça das queimadas no final de inverno, a água era limpa, as cachoeiras nasciam no alto das encostas, e a pesca era abundante. A natureza ganhava da ação humana, o que o homem degradava não superava a capacidade de resistir e de se regenerar do ambiente. A tal pressão, a carga sobre os recursos, como dizem os técnicos, era suportável.
Mesmo que os terrenos nas encostas sejam maiores, o ângulo enviesado do observador não enxergará o solo, se cada projeto esgotar o índice construtivo e construir o que a lei autoriza.
Então, não é porque hoje vemos mata em todas as direções que podemos ficar tranquilos, que podemos fechar os olhos para um fenômeno novo que se apresentou.
Que é o da velocidade e intensidade das urbanizações. Mais casas, além de maiores por área. Mais ruas, além de mais largas, alimentando estas bocas famintas que são as casas. Olho os morros e vejo estes “games” que nunca joguei, cada casa uma cabecinha com a boca aberta mordendo, devorando, sugando.
E a mata cedendo, as clareiras se aproximando, a urbanização se emendando, as casas se sobrepondo. Muito louco este processo, suicida. Como um jogo, do nada vai soar um alarme, luzes, e você estará fora, perdeu. Mas não se trata de um jogo de azar, onde não detemos poder e conhecimento sobre o resultado, pois está claro a nossa frente o que vai acontecer. Trata-se de um jogo egoísta, uma roleta-russa.
O verde pode ser o elemento que conecta a cidade, que atenua a rigidez da malha urbana e o volume dos prédios.
E uma insensatez maior porque casas grandes já estão nascendo obsoletas, nestes tempos nômades e de compartilhamento. O que vale é a terra, a paisagem, a qualidade de vida, o verde, a água, a cultura local. As casas e sua metragem, só desvalorizam com o tempo, viram sucata e as maiores, mausoléus. Ainda temos tempo para repensar a densidade e generosidade das ocupações, a largura das ruas, o tipo de arquitetura e seus materiais, a forma de tributar e incentivar a preservação e de
repensar o que pretendemos de nossa paisagem, da nossa cidade e do nosso patrimônio.
Quem ocupa menos, presta um serviço, um serviço ambiental e paisagístico, e deve ser estimulado e recompensado. Uma transferência de valores deve ser pensada, pois é fazer justiça compensar este desequilíbrio. Uns ferindo e prejudicando a paisagem, mesmo que legalmente, e outros a respeitando e zelando. Não precisamos de peritos e laudos, de levantamentos, basta olhar o que está acontecendo.
Texto Kiko Simch - Engenheiro Agronomo Paisagista @kikosimch
FOTOS - @likoska69