Mobilidade Urbana, tema da hora, da década.
Nos criamos num país com uma lógica rodoviária, o carro como umbigo da vida urbana. O trânsito tem que fluir, eu tenho que ter um carro, a casa tem que ter garagem, o prédio tem que ter x vagas e por aí vai.
Tem coisa mais feia do que lojas de calçada terem vagas de carro, ao invés de canteiros com verde e mobiliário? E esta calçada sendo efetivamente um passeio, existe algo mais humano? Calçada diz tudo, calçada, pavimentada. Precisamos de verde, verde para reter pó e ruído, fazer sombra e climatizar toda esta massa construída, deixar a água entrar no solo.
Vejam a diferença entre um local arborizado e verde, fresco com sombras, de outro cinza e quente, sem verde e sem vida.
Quero falar de passeio público, e estou ainda na rua, nos carros...
Foi-se o tempo do glamur de fumar, está por ir o de andar de carro nas zonas centrais. Vão olhar feio você de carro, de novo, outra vez passando aqui...
Ciclofaixa e ciclovias, uma malha pensada e executada, já!
Esquinas seguras integradas com as faixas de segurança e ciclofaixas.
Ruas arborizadas e jardins de chuva retendo parte da chuva.
Publicidade discreta, a pé não precisamos laçar o freguês. Se este está de carro, rápido, aí a placa chama a atenção.
Ruas com trânsito em sentidos alternados (sistema binário) e então esta pista que deixa de existir, vira ciclofaixa e jardins.
Desviar fluxo de passagem para fora do centro. Quer ir para os bairros do leste, pipoca antes de entrar ali. Quer ir para os do oeste, idem. Garopaba está crescendo muito e rápido de mais para seguir se acomodando como as melancias, no andar da carruagem... Antes fosse, era um andar lento...
Tiramos do centro e das ruas uma fração dos carros? Conseguimos? Deixamos as ruas mais verdes e menos poluídas visualmente? Cheio de bancos e pessoas, bicicletas seguras e com local preferencial para estacionar, carro andando devagar porque percebeu que é minoria, comportado e constrangido...
Tem bairros onde as pessoas andam na rua, porque não tem passeio contínuo e terrenos baldios sem a calçada, acabam jogando o cidadão para a rua. Rua compartilhada, e sabe que funciona, até é mais simpática esta paisagem, bandos de amigos e familiares se apropriam do espaço dos automóveis. Aproveitar esta cultura hegemônica do pedestre nestes bairros e disciplinar o carro. Ruas com sentido único, passeio de um lado ganha mais de 2m, e a rua muda de cara, é outra estética.
Aproveitando a deixa da mão dupla, na contramão da cidade poder ser mais funcional, algumas barbeiragens por falta de motoristas, desculpas pela analogia. Aqui algumas:
Estão calçando 100% dos passeios públicos nas obras recentes. Fica feia uma casa sem verde na frente, até vale menos. Sim vale menos, bem menos. Tirem uma foto, façam um fotoshop colocando jardim na calçada e comparem.
Outra mancada, estão rebaixando os passeios nas esquinas a pretexto de atender uma legislação de mobilidade. Em esquinas sem movimento, esquinas que não são cruzamento, uma ‘ quebração ‘ de passeios antigos e fazendo esta reforma equivocada, carente de lógica técnica. E faltando calçamento ali adiante...
Mais uma, o piso tátil, vermelho róseo, que desbota logo, graças a Deus, cada um fazendo do seu jeito. Cidadão coloca faixa tátil com 30 cm, tem que arrancar, pois é com 45 cm. Em muitas cidades ele é cor de concreto ou areia, muito mais discreto. Aqui alegam que é vermelho para o não deficiente respeitar. Tem certeza de que é assim que diz a lei?
Tem mais, reformam os passeios, levantando estes em cima do antigo sem levantar os meio-fios. A rua com nova pavimentação elevando o nível, a umidade entrando no passeio, obriga a levantar a calçada. Só que uma das funções do meio fio, além de conter os pavimentos e dar estabilidade ao passeio, é de dar segurança a este. Com sua inércia, resiste mais a choques e atritos. Quem não está assistindo ao passeio da Orestes se esfacelar junto ao meio fio por não ter a proteção deste elemento na altura correta? Lajotas e porcelanatos tem seu bordo quebrado por motoristas que erram na aproximação, fato corriqueiro e previsível. E estes meio-fios viram navalhas, serras, são vários pneus cortados neste meio fio que deixamos inventar.
Técnicos da área, fiscais, gestores públicos, todos assistindo este processo da cidade se deteriorando.
O passeio público é responsabilidade do município, fazer e manter, conservar, reformar. Se este fizesse este trabalho quase a totalidade deste texto não seria escrito e nem sequer cogitado.
Não tem quem não comente o estado de nossos passeios, a falta de arborização urbana, a poluição visual, a precariedade de nossa mobilidade, e por fim a degradação do ambiente urbano.
Na velocidade em que cresce a cidade talvez não consigamos ver estes detalhes. Só que não se trata de um buraco na calçada, trata-se de Garopaba reformular o seu modelo viário e humanizar ao menos a parte do território mais densificado onde a cultura rodoviarista estabelece uma barreira. Física e mental. E não estaríamos negando um valor da cidade, ao contrário, estaríamos resgatando o seu maior atributo, que todos reconhecem, o da QUALIDADE DE VIDA.
Texto Kiko Simch - Engenheiro Agronomo Paisagista @kikosimch
FOTOS - @likoska69